quarta-feira, 11 de maio de 2016

Limpando as gavetas...


Limpar as gavetas é uma expressão que guarda muitos mundos e sentimentos. Não no sentido mais restrito, aquele da faxina, por exemplo. Mas, principalmente, no sentido de alguém que está recolhendo seus pertences e indo embora.

O ato de limpar as gavetas pode significar que você foi demitido e está levando tudo aquilo que era minimamente pessoal e jazia na mesa asséptica de trabalho. Limpar as gavetas também é sair de um relacionamento, ir embora da casa de quem se ama e dar um ponto final em uma história. Também, é claro, limpar as gavetas pode significar que alguém está tentando apagar vestígios do passado ou algum malfeito que precisa ser escondido da polícia.

Limpar as gavetas pode ser o clichê mais batido, pode ser usado como “limpando as gavetas da alma”, “limpando as gavetas do coração”, “limpando as gavetas da minha juventude” e por aí vai – cabe quase tudo depois de “limpando as gavetas…”

Limpar as gavetas pode ser, como já se viu, um ato individual. Um marido que traiu vai limpar suas gavetas sozinho. Uma presidente deposta vai, em algum momento, se entregar à tarefa mundana de limpar as suas próprias gavetas. Um falsário vai limpar as gavetas antes de tentar fugir para o Paraguai. Limpar as gavetas pode ser o ato final de uma vida, a ação de alguém que sabe estar vivendo seus últimos dias – vítima de uma doença terminal. Pode também ser a derradeira missão de um suicida, limpar as gavetas.

Mas limpar as gavetas também pode ser uma experiência coletiva. Um exército pressentindo a derrota pode limpar as gavetas antes de levantar a bandeira branca. Um País vai precisar limpar suas gavetas para recomeçar. Uma sociedade vai precisar limpar suas gavetas para reencontrar o caminho certo para continuar progredindo.

Na ação de limpar gavetas encontramos pistas importantes sobre nós mesmos. Tem aquele porta-retrato do amor malpassado;  tem aquela conta que um dia fez você revirar a casa do avesso; tem um bilhete cifrado que você mal consegue traduzir; tem um caderno cheio de rascunhos; tem o pó; e o pó por si só já é coisa demais.

Limpar as gavetas é o fim. Limpar as gavetas é um recomeço.

Limpar as gavetas, às vezes, é só abrir espaço para o novo poder se acomodar.

Ou ainda, limpar as gavetas, é só uma mimica. Triste, sim, triste, porque no fundo se sabe que tão logo o afã passe, e ele sempre passa, a gaveta vai ser preenchida com as mesmas velhas quinquilharias.

(Gilberto Amendola)